A história real de 'Madre Paula' é apaixonante!
Patrícia Muller surpreendeu-me bastante com o seu livro ‘Madre Paula’. Não que houvesse uma razão concreta para eu não estar à espera que o livro fosse bom, mas por que não achei que a história tivesse condimentos suficientes para me prender a leitura.
Aliás, este foi um dos livros que se andou a arrastar na minha estante durante largos meses. Erro crasso!
Devorei o livro em duas tardes. A história interessava-me, aliás já tinha visto a série na RTP há uns anos, e, apesar de não me lembrar muito bem, sabia que tinha gostado da história.
A obra começa com a ida de Paula para o Mosteiro de Odivelas. Primeiro ponto interessante: nos séculos passados era comum as famílias mais pobres enviarem as filhas para mosteiros por não terem condições para as sustentar.
E é neste contexto que Paula é enviada para o mosteiro de Odivelas onde, inclusivamente, já lá vivia uma das suas irmãs, a Luz.
Os primeiros capítulos mostram-nos a hipocrisia que se vivia – e em alguns aspetos ainda se vive atualmente. Os nobres e até o próprio rei faziam de freiras as suas concubinas e como se tal não fosse já pecado bastante, ainda o faziam dentro do Mosteiro, na casa do Senhor.
A minha casa é um palácio dentro da quinta, incomparável a qualquer outro. O primeiro quarto é forrado a seda vermelha com fitas em ouro, espelhos nas paredes com relevos e fugiras douradas. Estes aposentos foram construídos dentro do mosteiro
Além de transformar o mosteiro num autêntico bordel, o Rei D. João V – responsável, entre muitas outras coisas, pela construção do magnífico Mosteiro de Mafra – mandou também construir aposentos reais dentro da casa do Senhor para que a Madre Paula, a sua amante por mais de uma década, vivesse rodeada de luxo.
A autora descreve-nos ao detalhe os aposentos, os detalhes dos vestidos de Paula e até da lingerie, o que mostra como Patrícia Muller teve o cuidado de investigar as indumentárias que se usavam no século XVIII. A sua escrita é impecável e os capítulos pequenos a terminarem quase sempre em momentos-chave torna a leitura fluída, aguçando-nos a curiosidade a cada capítulo.
A Madre Paula foi uma mulher do seu tempo que aprendeu com os seus erros e lidou com as consequências.
Há vários detalhes nesta história que, infelizmente, percebemos que ainda têm lugar nos dias de hoje. Neste caso concreto falo da freira Madalena Máxima de Miranda – que foi a amante do rei antes de Paula – ter humilhado a então noviça Paula. Por um lado, por ser pobre, e, por outro, por ver nela uma ameaça pela preferência do rei.
Não sabia que as mulheres podiam ser tão pérfidas umas com as outras, ao ponto de se humilharem mutuamente e pelos motivos mais disparatados. As mulheres não se amam entre si. E isso torna-as mais vulneráveis
Mas Paula não se ficou e vingou-se em dois atos. Primeiro, matando-lhe o gato a sangue-frio. Depois, e já sendo a preferida do rei, exigindo ao monarca que separasse Madalena do filho bastardo real que havia dado à luz.
Ao longo dos mais de dez anos em que foi amante do rei, Paula passou por momentos de luxo e luxúria; foi adorada e odiada; foi doce e amarga; foi fiel ao rei de quem, naturalmente, não tinha fidelidade.
E tudo mudou quando Paula engravidou e deu à luz um filho homem. Foi nesse momento que sentiu estar a pagar pelos seus erros cometidos com Madalena, pois a rainha retirou-lhe o filho e, para se retratar deste e outros pecados – como chicotear as suas escravas –, Paula afastou-se do rei e criou, juntamente com o seu filho, o filho de D. João V e Madalena Máxima.
O que mais gostei no livro foi a capacidade de a autora ter documentado o crescimento pessoal e sentimental de Paula, uma mulher que foi obrigada a ser freira, que foi má e vingativa, mas que nutriu um grande amor por D. João V, um amor que colocou a sua vida em risco, um amor que durou para lá da morte do rei.
Paula viveu no mosteiro até morrer e teve o rei no seu coração até ao momento em que Deus a levou para junto de si, deixando para trás muitos arrependimentos, mas também a certeza de que amou e foi amada pelo então homem mais importante do mundo.
Quanto ao rei não nos são dadas muitas pistas sobre quem foi afinal D. João V. Através dos olhos de Paula vemos um homem apaixonado, capaz de fazer tudo para conseguir o que quer, capaz de humilhar publicamente a sua rainha – toda a corte sabia da sua relação amorosa com Paula e dos luxos que lhe atribuía – mas também um homem que “acreditava na sua demanda pessoal” e que acreditava que “tinha uma missão, com os seus perigos e encantos”.
Eis uma personagem que quero conhecer melhor. Se conhecerem livros que retratem o rei D. João V, por favor, digam-me nos comentários.
✅ Os diálogos são tão reais que parece que os estamos a ouvir ao vivo
❌ Nada a apontar
⭐ 4,5