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Book Stories 2.0

Porque todos os livros contam uma história

Book Stories 2.0

Porque todos os livros contam uma história

'O Triunfo dos Porcos', uma crítica certeira dos anos 40 ao comunismo que ainda hoje é atual

Book Stories, 08.06.23

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George Orwell já me tinha impressionado com ‘1984’, um livro que não é fácil de ler, mas que merece ser lido por tudo o que representa.

Agora, ‘O Triunfo dos Porcos’ deixou-me definitivamente fã do autor.

Este livro é delicioso do início ao fim e é uma sátira extraordinariamente bem pensada e maravilhosamente bem concretizada.

O livro conta-nos a história da revolução que os animais da Quinta Manor levaram a cabo, expulsando os humanos da quinta e ficando os próprios a gerir a propriedade.

E lembrai-vos, camaradas, nunca percam a vossa determinação. Nenhum argumento deve desviar-vos do caminho. Não escuteis quando vos disserem que os humanos e os animais têm interesses comuns, que a prosperidade de uns é a prosperidade de outros. Tudo são mentiras

Num primeiro momento todos os animais são iguais, tanto em direitos, como em deveres. Porém, com o passar do tempo, os porcos foram assumindo posições cada vez mais autoritárias para com os seus pares. Todos os animais eram levados a acreditar que Napoleão, um dos líderes da revolução, era o melhor animal para gerir os destinos de todos, mas, à medida que o tempo foi passando, o grande líder começou a revelar-se tão ou ainda mais autoritário do que Jones, o humano que era dono da quinta e dos animais.

As maçãs temporãs estavam agora quase maduras e a erva do pomar estava pejada de frutos atirados ao chão pelo vento. Os animais partiram do princípio que o mais lógico seria reparti-los de forma equitativa; contudo, circulou certo dia a ordem de que todas as maçãs caídas deviam ser recolhidas e levadas para a sala dos arreios, a fim de serem usadas pelos porcos

Quanto mais tempo passava, mais Napoleão se revelava um líder ditatorial e, ao contrário daqueles que foram os mandamentos designados pelos animais aquando da revolução, expulsou e tentou matar um dos seus camaradas, acusando-o de traição apenas porque se sentia ameaçado pela sua inteligência e vontade de trabalhar.

Este livro começou a ser escrito em novembro de 1943 e foi terminado em fevereiro de 1944, mas Orwell teve grandes dificuldades para que fosse publicado na Inglaterra, pois tratava-se de uma obra crítica do regime russo de Estaline, o mesmo que era, à época, aliado na luta contra a Alemanha nazi.

Por esta razão, o autor viu a sua obra ser desprezada, pois não se podia atacar o “sacrossanto” Estaline que lutava ao lado dos aliados.

“Ter passado por tudo isto foi uma preciosa lição de vida: ensinou-me com que facilidade a propaganda totalitária pode controlar a opinião de pessoas esclarecidas em países democráticos”, escreveu o próprio Orwell.

Voltando à história, a personagem que mais gostei foi o burro Benjamin, porque foi sempre o que menos falou, o que menos participou e, no entanto, foi o único que percebeu desde logo quem era Napoleão e quais as suas verdadeiras intenções e, ao contrário do que acontecia com os outros animais, Benjamin não se deixou enganar.

Os animais estavam divididos hierarquicamente: os porcos eram os políticos, os cães a polícia política, as ovelhas os cegos seguidores e todos os outros eram os escravos que trabalhavam de sol a sol e continuavam a ver a sua ração ser reduzida.

Porém, esta redução de ração e paralelo aumento da carga de trabalho não se aplicava aos porcos.

Foi por essa altura que os porcos se mudaram subitamente para a casa da quinta e passaram a viver nela. Os animais tiveram a sensação de se recordarem de ter sido aprovada, nos primeiros dias da revolução, uma resolução contra isso, e novamente Squealer conseguiu convencê-los de que as coisas não se tinham passado dessa maneira

O final da história é simplesmente delicioso e coloca a nu a verdadeira essência dos regimes comunistas.

Doze vozes enfurecidas gritavam e todas pareciam iguais. Agora não restavam dúvidas sobre o que tinha acontecido aos rostos dos porcos. As criaturas olhavam da janela, passando de porcos para homens e de homens para porcos, e olhavam de novo para porcos e para homens mas já não conseguiam distinguir uns dos outros

 

 

A crítica em 'Madame Bovary' valeu a Gustave Flaubert idas a tribunal

Book Stories, 18.03.23

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Em ‘Madame Bovary’, de Gustave Flaubert, encontramos uma história de esperança, de expetativas e de uma busca falhada por um amor que só existe nos livros ao mesmo tempo que somos confrontados com a realidade de uma sociedade burguesa do século XIX.

O autor começa por nos apresentar Charles Bovary, um médico que é casado, mas que acaba por se apaixonar pela filha de um seu paciente.

Um ano depois fica viúvo e então decide pedir a jovem Ema em casamento, que logo aceita, sonhando com a vida de casada que leu nos romances de que tanto gostava.

Porém, o casal muda-se para uma zona do interior e logo começam as deceções de Ema, cuja vontade era a de viver numa grande cidade. Esta vontade torna-se ainda mais vincada depois de ter sido convidada, juntamente com o marido, para um baile na mansão de um marquês.

Ema vê então tudo aquilo que quer ter: vestidos, bailes, criados, amigas da alta sociedade. Enfim, a jovem encontra numa realidade que não é a sua aquilo que sempre leu nos livros.

Ema e Charles eram como o dia e a noite: ele muito recatado, ela muito deslumbrada.

Esta é então a primeira crítica feita pelo autor, uma crítica profunda aos valores fúteis da burguesia do século XIX em que tudo o que importava era apenas e somente as aparências. O amor era algo perfeitamente dispensável – pelo menos, à primeira vista. E, no entanto, era com o amor que as jovens mulheres sonhavam.

Face a todo este descontentamento, Ema decide que precisa de emoção e paixão na sua vida, o que a leva a cometer adultério numa busca pelas emoções que tanto leu, mas que nunca vivenciou.

Este livro é um importante marco na literatura da época, pois afasta-se do romantismo e é um dos inauguradores do realismo literário.

As críticas à sociedade, aos valores que eram impostos à luz mas que eram deturpados à sombra, ao papel ditatorial da igreja valeram ao autor idas a tribunal.

Ema é uma mulher sonhadora sempre em busca de mais e mais, o que a leva a perder a pequena fortuna gastando o seu dinheiro e o do marido em futilidades e com os seus amantes.

O final é triste e trágico para ambos que não vão ser capazes de enfrentar, por um lado, as consequências dos seus atos, e, por outro, a cegueira provocada pelo amor e por uma personalidade paciente.

Quem também tem um final infeliz é Berta, a filha do casal.

 

✅ o retrato perfecionista de uma sociedade burguesa do século XIX

❌ descrições demasiado extensas

⭐ 4

 

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