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Book Stories 2.0

Porque todos os livros contam uma história

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Entrevista a Krzysztof Charamsa: padre, gay, homem!

Book Stories, 14.10.20

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Hoje trago-vos uma entrevista que fiz há uns três anos (quando era jornalista) e não escolhi publicá-la só para aumentar o número de conteúdos.

Decidi trazê-la até vós (numa versão bem mais pequena) porque acredito que é um tema que ainda é tabu na sociedade e eu defendo que é preciso desmistificar esta questão. 

Acredito que não se deve fingir que os problemas não existem, porque eles assim nunca serão resolvidos. É preciso encará-los, discuti-los e encontrar-lhes soluções. E a questão da homossexualidade e da pedofilia na Igreja são dois desses temas que ninguém quer falar, mas que é preciso discutir, é preciso trazer a lume e perceber de que forma se pode aceitar o primeiro e evitar o segundo.

Concordam?

Sobre o Krzystof é das pessoas mais adoráveis que eu já conheci e apesar de tudo o que a Igreja (instituição) lhe fez e a forma como o tratou, ele continua a acreditar em Deus e no sacerdócio e isso é muito bonito. Por isso, decidi partilhar este trecho da entrevista convosco e espero que gostem e que vos faça pensar nestas questões.

 

Depois de assumir publicamente a sua homossexualidade algum padre falou consigo?

Os amigos verdadeiros falavam, mas às escondidas, porque quem é rejeitado pela Igreja não pode estar próximo de outros padres. O castigo é o isolamento que serve de lição para os outros padres verem o que lhes acontecerá se ousarem ir contra as regras. Isto não acontece em todas as partes da Igreja, mas no geral é assim.

O Krzystof foi o único a levantar a voz pelo menos de forma tão pública

Entendi que tinha o dever moral de o fazer. Trabalhei 12 anos para a Congregação da Doutrina da Fé, para a Inquisição, que é o coração da homofobia e da propaganda antigay da Igreja. Era meu dever moral, enquanto inquisidor, sair do armário e dizer que sou gay e que agi contra mim porque a Igreja não promove uma reflexão séria e intelectual sobre a homossexualidade. Há milhões de homossexuais em todo o mundo que a Igreja faz sofrer com a sua posição irracional e paranoica.

 

Querem condenar-me, condenem-me. Eu saí do armário para dizer 'basta, não posso mais'

 

E porquê sair do armário com uma conferência de imprensa e com o seu namorado ao seu lado?

Saí do armário publicamente porque a minha posição dentro da Igreja exigia uma publicidade deste tipo e porque o ato de sair do armário às escondidas não é são psicologicamente, porque a pessoa continua a fugir de si mesma. Um gay deve libertar-se com ruído porque o silêncio ao qual foi reduzido é imoral e este silêncio deve ser destruído porque destruiu a sua personalidade.

Por que razão a sexualidade é um tabu tão grande para a Igreja?

Por efeito da ignorância da própria Igreja. Eu estava numa congregação onde ninguém, jamais, leu um livro sobre a sexualidade e, no entanto, quem lá está é especialista no sexo dos outros. Quando há um teólogo que estuda a sexualidade de acordo com a ciência de hoje começamos a persegui-lo, porque a ciência contradiz as nossas doutrinas.

Por exemplo, sobre o sexo entre jovens antes do casamento a Igreja diz que é um egoísmo, uma busca de prazer, mas na verdade é um sentimento puro em que os jovens procuram intimidade num momento de amor, não procuram só ser máquinas do sexo como a Igreja faz parecer.

Acredita que o fim do celibato obrigatório poderia colocar um ponto final nos casos de pedofilia cometidos na Igreja?

O fim do celibato obrigatório chegará porque não tem sentido e provoca mais mal do que bem às pessoas. A mim parece-me que há uma ligação entre celibato e pedofilia, entre o complexo de sexualidade vivido em celibato e o refúgio no ato de dominar alguém inferior – um menino, um adolescente – sobre o qual se tem autoridade. Mas isto é a minha intuição, não é algo que esteja estudado.

 

 

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Acredita que o Papa Francisco poderá mudar a Igreja?

Francisco muda a atitude das pessoas e começa a mudar mentalidades, mas não é suficiente. Deve começar, isso sim, a mudar a formação da Igreja, as pessoas que estão lá dentro. Atualmente, a relação entre o clero e os fiéis não é de irmãos. Os padres devem ser o primeiro exemplo de humildade e não de domínio e esta é a mensagem que Francisco começa a passar e, por isso, começa a causar muito incómodo no clero.

Hoje, sabendo o que sabe, teria tomado novamente a decisão de ser padre?

Acho que se fosse hoje exigiria à minha Igreja que resolvesse a sua paranoia com a homossexualidade. Mas eu toda a vida quis ser padre, mesmo sendo gay. E acho que sou um bom padre, trabalhei bem no meu ministério. E vejo sentido no meu sacerdócio. Foi um caminho que fiz, um caminho no qual Deus me colocou para me opor à desumanidade da Igreja.

Então o que diz aos jovens que são homossexuais e que querem ser padres?

Digo-lhes que leiam tudo o que a Igreja ensina sobre a homossexualidade que, basicamente, são ofensas irracionais, como o facto de não sermos capazes de nos adequarmos à vida social. E lembro-lhes que isto lhes toca a eles. Digo-lhes que devem pensar muito bem, porque não podem ir para uma instituição que os obriga a pensar neles próprios de uma forma tão asquerosa.

Sente falta da Igreja?

Há coisas das quais sinto falta como pregar, celebrar missas… mas a Igreja não me faz falta, eu estou na Igreja porque sou batizado. Podem dizer que sou um padre no exílio, mas eu estou na Igreja.

Como foi o regresso à Polónia depois da saída do armário?

Tive a sorte de ter encontros bonitos, também houve outros menos bons com as pessoas a apontarem para mim e para o Eduard e a sussurrarem, mas o balanço é positivo.

Depois de toda a provação pode dizer que é feliz?

Não se vê? [risos]. Sou feliz, sou muito feliz. Entendi a minha vocação como o trabalhar para que as pessoas sejam felizes e não como o dominar o outro. Quando és feliz queres fazer algo para que os outros possam ser contagiados pela tua felicidade e possam encontrar o sentido da vida e é isso que Deus quer. A santidade é a felicidade, a coragem de tomar decisões de acordo com a tua consciência. Não é por acaso que beato significa feliz. Beatificação é dizer que a pessoa está feliz no céu, mas antes de ser feliz no céu devemos ser felizes aqui, na Terra. Não podemos ser hipócritas e fariseus porque isto não é felicidade.

 

 

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