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Book Stories 2.0

Porque todos os livros contam uma história

Book Stories 2.0

Porque todos os livros contam uma história

'A Peste' em tempos de pandemia… má opção

Book Stories, 20.11.20

Castanhos Quentes Citação Inspiradora Outono Pos

           'A Peste', de Albert Camus, foi publicada pela primeira vez em 1947. Esta edição, a que eu tenho, é da Livros do Brasil e chegou às livrarias em julho deste ano.

 

Sinopse

Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto. Este é o primeiro sinal de uma epidemia de peste que em breve toma conta de toda a cidade de Orão, na Argélia. Sujeita a quarentena, esta torna-se um território irrespirável e os seus habitantes são conduzidos até estados de sofrimento, de loucura, mas também de compaixão de proporções desmedidas.

Uma história arrebatadora sobre o horror, a sobrevivência e a resiliência do ser humano, A Peste é uma parábola de ressonância intemporal, um romance magistralmente construído, que, publicado originalmente em 1947, consagrou em definitivo Albert Camus como um dos autores fundamentais da literatura moderna.

 

Opinião:

Não sabia muito bem ao que ia quando comecei a ler este livro. Aliás, mesmo quando o comprei também não sabia bem qual era a história, mas sabia que o autor era daqueles clássicos que se deve ler e como estava com uma ótima promoção na Feira do Livro, aproveitei.

A verdade é que foi um tormento ler este livro, mas creio que a dificuldade se deveu ao facto de estarmos em fase de pandemia e ‘A Peste’ conta a história de uma cidade que se fecha devido… a uma pandemia.

Tudo começa quando surgem meia dúzia de ratos mortos nas ruas, algo que em pouco tempo toma proporções gigantescas. Fez-me lembrar o início do ano quando a COVID-19 ainda era algo muito pouco conhecido que tinha feito ‘algumas’ vítimas mortais num sítio longínquo. Aliás, a própria diretora da DGS disse que era pouco provável que chegasse a Portugal 🤷

E foi com este sentimento que também os cidadãos de Orão, cidade onde se desenrola a história, encararam os primeiros ratos mortos. “Devem ser os gatos”, pensaram eles.

A verdade é que eles, como nós, foram apanhados desprevenidos e impreparados para o que se seguiu: pessoas a adoecerem, pessoas a morrerem, o comércio a fechar, a cidade a fechar as suas fronteiras; ninguém entrava, nem saía de Orão e com a agravante, quando comparado connosco, que naquela época – anos 40 – não havia telemóveis, nem internet.

Aquelas pessoas viveram uma pandemia sem saberem dos seus entes queridos que estavam fora da cidade.

E Orão é-nos apresentada como uma cidade “feia” e “comum, que não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina” na qual os seus cidadãos apenas se interessam pelo comércio para “enriquecerem” - que visão mais cinzenta de uma cidade e dos seus habitantes. Como se uma pandemia não fosse já um cenário negro, a descrição de Orão e dos seus cidadãos torna o conjunto ainda mais deprimente.

 

Personagens

A primeira personagem a cruzar-se com um rato morto é o médico Rieux que é, também, a minha personagem preferida. Ajudou todos os doentes que pôde, sofreu com o sofrimento dos pacientes e das suas famílias, colocando de parte o seu próprio sofrimento, uma vez que a mulher tinha problemas de saúde que foi tratar fora da cidade.

Há também o jornalista Rambert que é, para mim, a personagem mais reveladora daquilo que de melhor tem o ser humano: a sua capacidade de sofrer com o sofrimento dos outros, tornando-o uma pessoa altruísta. Rambert não era natural de Orão, apenas visitou a cidade para fazer uma reportagem, mas teve o azar de estar no sítio errado, no momento errado e, por isso, viu-se obrigado a ficar confinado numa terra que não é a sua, com pessoas que não conhece e, para piorar, deixando o seu grande amor na sua terra Natal. Tentou, por isso, fugir da cidade com a ajuda de alguns elementos que conseguiam 'furar' a fronteira que era vigiada por guardas 24 horas por dia. E o seu altruísmo chega quando tem, finalmente, a oportunidade de regressar a casa.

 

 

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E uma personagem que não compreendi bem foi Grand, o funcionário municipal: um homem de poucas palavras, de poucos amigos e com uma grande dor provocada por um amor que lhe partiu irremediavelmente o coração. A sensação com que fico desta personagem é a de que ela encarna um dos grandes defeitos da humanidade: o querer fazer, o ter muitos planos delineados para colocar em prática mas, por inércia, não fazer nada.

Há mais personagens que têm um papel importante na trama, como o autarca que desvaloriza a situação (onde é que eu já vi isto!!!), o restante pessoal médico que trabalha horas a fio, o investigador que luta para encontrar uma cura e até pessoas que aproveitam a desgraça para, no mercado negro, ganharem dinheiro seja a vender produtos de primeira necessidade que logo esgotaram nas prateleiras dos supermercados, seja a cobrar dinheiro a pessoas que tentam furar a fronteira para fugir de Orão.

 

Paralelo histórico

Fui investigar um pouco e percebi que ‘A Peste’ é uma espécie de metáfora da II Guerra Mundial. Fiz esta investigação depois de ler o livro – não gosto de fazer esta pesquisa antes de ler para não ser influenciada e absorver das obras aquilo que sou capaz por mim mesma, pelo meu raciocínio.

Confesso que não descortinei esta crítica nas entrelinhas à Segunda Guerra Mundial e creio que tal não aconteceu por estar constantemente a fazer uma comparação com os tempos que vivemos.

Mas depois de saber o intuito da obra consegui ler as entrelinhas: a prisão em que as pessoas viveram reclusas nas suas próprias casas; os corpos das vítimas mortais a aumentarem a cada dia ao ponto de as autoridades municipais optarem pela incineração das mesmas; o mercado paralelo (tal como li n’O Tatuador de Auschwitz’) entre outros aspetos.

Uma das coisas que também li sobre o livro é que o mesmo se insere numa espécie de corrente filosófica chamada Absurdismo que, por sua vez, deriva do Existencialismo.

Eu não sou entendida em filosofia e portanto não vou debruçar-me sobre isto, mas, vivendo a época que vivemos, nada do que li me pareceu absurdo, antes pelo contrário, bastante realista.

 

📖

☝️ Pontos PositivosA escrita inteligente e bem preparada

👇 Pontos Negativos: O desgaste de algumas descrições referentes à doença (era como se estivesse constantemente a ler sobre a COVID)

⭐ Avaliação: 3 estrelas (talvez se o tivesse lido antes da pandemia tivesse saboreado melhor o livro)