'A Peste' em tempos de pandemia… má opção
'A Peste', de Albert Camus, foi publicada pela primeira vez em 1947. Esta edição, a que eu tenho, é da Livros do Brasil e chegou às livrarias em julho deste ano.
Sinopse
Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto. Este é o primeiro sinal de uma epidemia de peste que em breve toma conta de toda a cidade de Orão, na Argélia. Sujeita a quarentena, esta torna-se um território irrespirável e os seus habitantes são conduzidos até estados de sofrimento, de loucura, mas também de compaixão de proporções desmedidas.
Uma história arrebatadora sobre o horror, a sobrevivência e a resiliência do ser humano, A Peste é uma parábola de ressonância intemporal, um romance magistralmente construído, que, publicado originalmente em 1947, consagrou em definitivo Albert Camus como um dos autores fundamentais da literatura moderna.
Opinião:
Não sabia muito bem ao que ia quando comecei a ler este livro. Aliás, mesmo quando o comprei também não sabia bem qual era a história, mas sabia que o autor era daqueles clássicos que se deve ler e como estava com uma ótima promoção na Feira do Livro, aproveitei.
A verdade é que foi um tormento ler este livro, mas creio que a dificuldade se deveu ao facto de estarmos em fase de pandemia e ‘A Peste’ conta a história de uma cidade que se fecha devido… a uma pandemia.
Tudo começa quando surgem meia dúzia de ratos mortos nas ruas, algo que em pouco tempo toma proporções gigantescas. Fez-me lembrar o início do ano quando a COVID-19 ainda era algo muito pouco conhecido que tinha feito ‘algumas’ vítimas mortais num sítio longínquo. Aliás, a própria diretora da DGS disse que era pouco provável que chegasse a Portugal 🤷
E foi com este sentimento que também os cidadãos de Orão, cidade onde se desenrola a história, encararam os primeiros ratos mortos. “Devem ser os gatos”, pensaram eles.
A verdade é que eles, como nós, foram apanhados desprevenidos e impreparados para o que se seguiu: pessoas a adoecerem, pessoas a morrerem, o comércio a fechar, a cidade a fechar as suas fronteiras; ninguém entrava, nem saía de Orão e com a agravante, quando comparado connosco, que naquela época – anos 40 – não havia telemóveis, nem internet.
Aquelas pessoas viveram uma pandemia sem saberem dos seus entes queridos que estavam fora da cidade.
E Orão é-nos apresentada como uma cidade “feia” e “comum, que não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina” na qual os seus cidadãos apenas se interessam pelo comércio para “enriquecerem” - que visão mais cinzenta de uma cidade e dos seus habitantes. Como se uma pandemia não fosse já um cenário negro, a descrição de Orão e dos seus cidadãos torna o conjunto ainda mais deprimente.
Personagens
A primeira personagem a cruzar-se com um rato morto é o médico Rieux que é, também, a minha personagem preferida. Ajudou todos os doentes que pôde, sofreu com o sofrimento dos pacientes e das suas famílias, colocando de parte o seu próprio sofrimento, uma vez que a mulher tinha problemas de saúde que foi tratar fora da cidade.
Há também o jornalista Rambert que é, para mim, a personagem mais reveladora daquilo que de melhor tem o ser humano: a sua capacidade de sofrer com o sofrimento dos outros, tornando-o uma pessoa altruísta. Rambert não era natural de Orão, apenas visitou a cidade para fazer uma reportagem, mas teve o azar de estar no sítio errado, no momento errado e, por isso, viu-se obrigado a ficar confinado numa terra que não é a sua, com pessoas que não conhece e, para piorar, deixando o seu grande amor na sua terra Natal. Tentou, por isso, fugir da cidade com a ajuda de alguns elementos que conseguiam 'furar' a fronteira que era vigiada por guardas 24 horas por dia. E o seu altruísmo chega quando tem, finalmente, a oportunidade de regressar a casa.
E uma personagem que não compreendi bem foi Grand, o funcionário municipal: um homem de poucas palavras, de poucos amigos e com uma grande dor provocada por um amor que lhe partiu irremediavelmente o coração. A sensação com que fico desta personagem é a de que ela encarna um dos grandes defeitos da humanidade: o querer fazer, o ter muitos planos delineados para colocar em prática mas, por inércia, não fazer nada.
Há mais personagens que têm um papel importante na trama, como o autarca que desvaloriza a situação (onde é que eu já vi isto!!!), o restante pessoal médico que trabalha horas a fio, o investigador que luta para encontrar uma cura e até pessoas que aproveitam a desgraça para, no mercado negro, ganharem dinheiro seja a vender produtos de primeira necessidade que logo esgotaram nas prateleiras dos supermercados, seja a cobrar dinheiro a pessoas que tentam furar a fronteira para fugir de Orão.
Paralelo histórico
Fui investigar um pouco e percebi que ‘A Peste’ é uma espécie de metáfora da II Guerra Mundial. Fiz esta investigação depois de ler o livro – não gosto de fazer esta pesquisa antes de ler para não ser influenciada e absorver das obras aquilo que sou capaz por mim mesma, pelo meu raciocínio.
Confesso que não descortinei esta crítica nas entrelinhas à Segunda Guerra Mundial e creio que tal não aconteceu por estar constantemente a fazer uma comparação com os tempos que vivemos.
Mas depois de saber o intuito da obra consegui ler as entrelinhas: a prisão em que as pessoas viveram reclusas nas suas próprias casas; os corpos das vítimas mortais a aumentarem a cada dia ao ponto de as autoridades municipais optarem pela incineração das mesmas; o mercado paralelo (tal como li n’O Tatuador de Auschwitz’) entre outros aspetos.
Uma das coisas que também li sobre o livro é que o mesmo se insere numa espécie de corrente filosófica chamada Absurdismo que, por sua vez, deriva do Existencialismo.
Eu não sou entendida em filosofia e portanto não vou debruçar-me sobre isto, mas, vivendo a época que vivemos, nada do que li me pareceu absurdo, antes pelo contrário, bastante realista.
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☝️ Pontos Positivos: A escrita inteligente e bem preparada
👇 Pontos Negativos: O desgaste de algumas descrições referentes à doença (era como se estivesse constantemente a ler sobre a COVID)
⭐ Avaliação: 3 estrelas (talvez se o tivesse lido antes da pandemia tivesse saboreado melhor o livro)