'A Coragem de Cilka': Depois dos nazis, os russos e ainda os erros históricos
📸Peter Tóth por Pixabay
‘A Coragem de Cilka’, escrita por Heather Morris, foi publicado pela Editorial Presença em 2020.
Sinopse:
Em 1942, com apenas 16 anos, Cilka Klein é levada para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. O comandante do campo, Johann Schwarzhuber, sente-se de imediato atraído pela beleza dos seus longos cabelos e decide separá-la das outras prisioneiras. Cilka depressa aprende que o poder pode ditar a sobrevivência.
Após a libertação, Cilka acaba por ser condenada pelos russos por ter colaborado com os nazis e é enviada para Vorkuta, um desolado e horrendo campo de trabalhos forçados na Sibéria, no Círculo Polar Ártico. Inocente, mas de novo prisioneira, Cilka enfrenta novos desafios, igualmente aterradores, numa batalha diária pela sobrevivência. Trava amizade com uma médica de Vorkuta e aprende a cuidar dos prisioneiros doentes esforçando-se para tratar deles, sob condições inimagináveis. Mas é ao cuidar de um homem chamado Aleksandr que Cilka descobre que, apesar de tudo, ainda há espaço no seu coração para o amor.
Baseado em factos conhecidos sobre o período em que Cilka Klein esteve detida em Auschwitz e nos testemunhos de prisioneiras nos campos de trabalhos forçados na Sibéria, A Coragem de Cilka é a continuação da narrativa do bestseller internacional O Tatuador de Auschwitz. É uma obra de cortar o fôlego, uma poderosa homenagem ao triunfo da resiliência, um romance que nos leva às lágrimas. Mas é também uma história que nos deixa estarrecidos e encorajados pela feroz determinação de uma mulher que, contra todas as probabilidades, sobreviveu.
Opinião:
Este livro é uma continuação de ‘O Tatuador de Auschwitz’ (cuja review podem ler aqui), mas tendo como personagem principal a jovem Cilka, a melhor amiga de Gita, a mulher de Lale (o tatuador).
Logo nas primeiras páginas percebemos que depois de ser prisioneira em Auschwitz, onde foi violada continuamente por dois oficiais nazis, Cilka foi levada pelo exército russo como prisioneira para os campos de trabalho forçados (goulags) na Sibéria.
O seu crime? Ter “dormido com o inimigo”
Isto logo me fez pensar na História. O holocausto é responsabilidade única do regime nazi, isso é um facto indesmentível. No entanto, o regime estalinista também matou milhões pessoas nos seus campos de trabalho forçados, mas poucos são os que veem o regime comunista dessa forma. O que é uma pena e, acima de tudo, um encapotar de responsabilidades históricas, uma vez que continuam a existir partidos comunistas.
Politiquices à parte, neste livro a autora conta-nos oito anos da vida de Cilka passados em Vorkut, para onde foi enviada após a libertação dos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau.
Ao longo do livro, Cilka foi-me impressionando por várias vezes, dada a sua força de viver, a sua vontade de continuar viva e, acima de tudo, a sua necessidade de ajudar as pessoas que a rodeavam. Muitas vezes dei comigo a pensar que eu teria desistido de viver ainda em Auschwitz.
Um dos momentos que mais me marcou no livro foi quando Cilka teve a oportunidade de sair em liberdade, deixando Vorkut para trás, e, no entanto...
[SPOILER ALERT]
...deu o seu lugar a uma amiga para que esta deixasse o goulag com a sua bebé de dois anos.
Quem, em que mundo, seria capaz de tal atitude altruísta?
Tal como aconteceu com ‘O Tatuador de Auschwitz’, Heather Morris é um pouco trapalhona na descrição dos acontecimentos. O estilo deste livro mantém-se igual ao anterior e, portanto, as críticas também se mantêm.
Polémica
Heather Morris e a produção dos seus dois livros está envolta em várias polémicas que se prendem com a autenticidade dos factos que relata.
A família da sobrevivente do Holocausto, na qual a autora se baseou para contar a história de Gita, acusa-a - e ameaça agir judicialmente - de manchar o nome de Cecilia Kovachova com “mentiras devastadoras e ofensivas” com propósitos comerciais.
Aliás, o enteado de Cecilia Kovachova garante que a madrasta nunca foi uma escrava sexual e que “não fez nenhuma das coisas que foram escritas por Morris".
A instituição Memorial do Holocausto desaconselhou, inclusivamente, a leitura de 'O Tatuador de Auschwitz' por este conter demasiados erros históricos que em nada contribuem, e apenas afastam, as pessoas da realidade do que foram os campos de extermínio nazis.
Posto isto, confesso que a minha avaliação acaba por ser também um pouco influenciada por esta questão. No entanto, acredito que para quem estas questões não são um problema e que, ou quer apenas ler uma boa história ou está a iniciar a sua compreensão do mundo dos campos de concentração estes livros podem servir de um pequeno incentivo, pois a realidade do que lá se passou é bem mais dura e cruel do que Heather Morris retrata.
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☝️ Pontos Positivos: foi a primeira vez que li a história de alguém que saiu dos campos nazis diretamente para os russos – e a verdade é que a diferença não era assim tão grande (só as câmaras de gás).
👇 Pontos Negativos: A pobreza da escrita e a polémica com a família de Cecilia Kovachova
⭐ Avaliação: 3 estrelas