'A Certeza do Acaso': Se este sonho já não serve, muda de sonho, mas não pares de sonhar
Margarida Rebelo Pinto é a autora de 'A Certeza do Acaso', livro publicado pelo Clube do Autor em novembro do ano passado
* Queria deixar um agradecimento especial à autora que muito gentilmente me cedeu o seu livro para que o pudesse ler assim que foi publicado e aproveito também para pedir, mais uma vez, desculpa pela demora na publicação da minha análise
Opinião
Mais um livro muito bem escrito da autora. Este tema cativou-me bastante porque por mais que digamos que lidamos bem com a idade, não há como não chegar a uma determinada fase e fazer duas coisas: olhar para o passado para analisar os erros e então nos arrependermos de determinadas decisões; e olhar para o futuro e tentar descortinar o que é que ainda está por vir.
E este exercício pode ser mais ou menos difícil consoante o momento da vida em que nos encontramos.
Ler a história da Maria da Luz fez-me espreitar o passado, analisar o presente e de alguma forma temer o futuro.
Mas quando terminei o livro e absorvi toda a história desta mulher perfeitamente comum percebi que por mais que se possa recear o futuro não podemos perder a esperança no mesmo, por mais difícil que possa parecer e por mais negro que possa mostrar-se.
E este é o enorme ponto positivo do livro!
Sobre a história propriamente dita foi o primeiro livro que li e que já engloba a pandemia. Contém apenas algumas referências à covid (muito ao de leve) e ainda bem porque, pelo menos eu, não me sinto capaz de ler um livro que fale profundamente sobre esta fase que o mundo inteiro está a passar.
Creio que foi uma ótima jogada da autora, porque as leves menções aproximam-nos das personagens, uma vez que estamos a passar o mesmo que elas - não podermos beijar e abraçar, mantermo-nos afastados das pessoas mais vulneráveis e que nos são mais queridas.
A história de vida da Maria da Luz é um pouco triste no que à componente amorosa diz respeito e desengane-se quem acha que é coisa pouca, porque os trilhos do coração determinam de uma forma profunda toda a nossa vida no geral.
A jovem Maria da Luz casou com um homem tendencialmente agressivo e com problemas de foro económico, alcoólico e toxicodependente. Com ele teve dois filhos que cedo ficaram sem pai porque o Alexandre morreu num acidente de moto. Maria da Luz ficou viúva ainda muito jovem e com dois filhos pequenos para criar e educar. Desde o casamento falhado que não voltou a ter uma relação séria. Apaixonou-se por Miguel, um homem casado com quem manteve uma relação extraconjugal durante seis anos - seis anos.
Ninguém consegue despedir-se de um grande amor
Quem é que passa seis anos da sua vida à espera de meia dúzia de oportunidades para estar com um homem que é casado? Eu costumava ter uma visão mais rígida sobre isto mas acabei o livro a pensar que é algo que pode acontecer a qualquer pessoa, porque se há algo que não controlamos na vida é por quem nos apaixonamos.
Podemos lutar mais ou menos contra o sentimento, mas a verdade é que não nos podemos impedir de gostar, como não nos podemos obrigar a gostar. E a Maria da Luz, que não se conseguiu impedir de gostar e de esperar durante seis anos, acabou por se obrigar a afastar e a reaprender a viver com esse sentimento, mas sem a dependência das visitas do Miguel.
Mas já tinham passado seis anos. Maria da Luz está agora com cerca de 50 anos e sente-se sozinha: o pai morreu, os dois filhos já são adultos e o seu coração continua a bater por um homem que, pese embora a tenha preenchido, só o fez em (demasiado) poucos momentos.
O que lhe resta então? Os amigos, os familiares mais próximos. Muitos pensarão que com esta idade pouco mais pode restar, mas não é verdade. Espero chegar aos 50 anos e vislumbrar um futuro pela frente; ter a vontade de viver; querer sonhar.
Porque como diz Margarida Rebelo Pinto e bem: "todos precisamos de sonhar para viver, mas às vezes é preciso mudar de sonhos".
Quando à escrita é bastante acessível sem ser simplista o que é ótimo e a narrativa está bem construída. Destaco pela negativa os saltos temporais entre o presente e a viagem ao Brasil ou entre o presente e o navio que esteve atracado durante mais de um ano em Lisboa. Entendo a comparação - e até acho bastante interessante - mas cansou-me a leitura e confesso que não consegui entrar no espírito do navio atracado!!!
Destaque ainda para o início do livro onde é relatada a morte de um amigo da personagem principal - em tudo semelhante à morte do ator Pedro Lima, que se suicidou no ano passado.
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☝️Pontos Positivos:a mensagem que passa a todos os homens e mulheres de meia idade (e não só)
👇 Pontos Negativos: as constantes ‘visitas’ ao passado
⭐ Avaliação: 4,5 estrelas